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UMA MULHER SEM IDENTIDADE

Conheça a história de uma mulher sem identidade, uma samaritana, considerada ninguém. O que podemos aprender sobre nossa identidade com ela?

Palestra proferida no Congresso de Mulheres 2019 por Carol Fickel

A mulher samaritana – Jo 4.1-26

A Palavra de Deus nos conta a história de uma mulher sem identidade. O pano de fundo dessa passagem das Sagradas Escrituras é o desprezo profundo que os judeus sentiam dos samaritanos (vs. 9). Mas, como era de se esperar, os samaritanos também não gostavam dos judeus.

Quando os judeus viajavam entre a Galileia e a Judeia, preferiam cruzar o rio Jordão duas vezesa ter de atravessar Samaria. Mas Jesus fez diferente (Lc 9.52 Jesus deseja pernoitar em Samaria). Prof. Werner Wiese dizia em sala de aula: “geograficamente não era necessário).

“Cansado da viagem”– Jesus sentia fadiga e exaustão (Ele se cansa Mt 8.24 Jesus dormindo no barco) por volta da hora sexta, isto é, próximo ao meio-dia, sentou-se Jesus à beira de um poço, com sede.

Os seus discípulos tinham saído para comprarem comida e Ele estava só quando chegou ali uma mulher samaritana que tinha ido buscar água e Jesus, sendo judeu, pediu a ela, mulher samaritana, água para beber. (vv 7-8). 

A hora sextabíblica era supostamente o pior momento possível do dia para se deixar a moradia e se aventurar no calor escaldante. Se alguém for tirar água, neste horário, poderíamos concluir apropriadamente que estava tentando evitar as pessoas. O porque veremos adiante.

Os judeus não se davam com os samaritanos, ou nada tinham em comum com os samaritanos. Na legislação judaica havia itens que proibiam um judeu de usar pratos e copos que tivessem sido previamente utilizados por samaritanos. A mulher ficou surpresa primeiropor Jesus falar com um samaritano, segundo por ela ser mulher e terceiroporque ele queria usar um dos seus utensílios para beber água. 

Ela mesma o interroga dizendo a ele como teria ele coragem de pedir a ela água para beber e ainda em seu cântaro? (v.9). E Jesus lhe fala do dom de Deus – (v. 10). Enfatiza que a salvação não é merecida, mas dada (Ef 2.8); Jesus é o dom de Deus (3.16; Gl 2.20).

Também Ele lhe fala que poderia dar a ela água viva. Essa expressão pode significar “água corrente”, ou seja; que provavelmente é fresca e pura. No Antigo Testamento, era utilizada num sentido metafórico como referência à bênção divina (Jr 2.13; Zc 14.8). Veja ainda Jo 7.37-39. 

A mulher não entendeu, pois Jesus estava ali pedindo água e não tinha com que tirá-la do poço, como poderia ele lhe dar – (v. 11)– água viva? Do mesmo modo que Nicodemos (nascer de novo), a mulher samaritana não entendeu os termos-chave que Jesus usou (v. 15). Ambos, Nicodemos e a mulher tomam literalmente as palavras de Jesus. Pensam em termos materiais.  Ela continua sem entender e o questiona mais ainda. Como poderia ele lhe dar água viva e seria ele maior do que seu Pai Jacó que lhe deixou aquele poço? (v.12) De acordo com uma tradição rabínica da época cria-se que quando Jacó abriu aquele poço, houve um sinal miraculoso. A água jorrara como um chafariz. Durante todo o tempo em que Jacó estivera lá a fonte jorrava. Quando, porém, Jacó foi embora a água parou de jorrar. Serias Tu maior que Jacó? Indaga a mulher!

Jesus então contrastou a satisfação temporária, simbolizada pela água daquele poço, com a satisfação eterna (v.13-14) que jorraria miraculosamente e cuja força transformadora permaneceria na vida da mulher mesmo quando Ele se retirar da Samaria. Aqui temos Jesus preparando a mulher para um confronto com a verdade. Ela é alguém sedenta de vida e com o coração quebrado. Vejam como o Senhor agiu:

  1. Ele abre um diálogo com a Samaritana fazendo um pedido (v7);
  2. Provoca nela curiosidade (v.9);
  3. Implanta nela interesse profundo (v.10);

Jesus fala-lhe da vida eterna. Enfatiza a sua duração sem fim e de excelente qualidade. Em vista da propaganda da água viva, a mulher se encantou com seu discurso e já queria dessa água, principalmente para não precisar mais ir ali retirar água do poço enfrentando o medo e a vergonha. Até então a mulher pensa em termos literais, ela ainda está presa às questões triviais da vida. Ela ainda não percebera que o dom de Deus, a dádiva de Deus –que o próprio Deus falava com ela.

A chegada de Jesus revela que as promessas de Deus à Abraão, Isaque e Jacó se cumpriram nEle. De fato, Ele é maior que Jacó! Jesus assume o papel principal ao longo do diálogo travado no poço de Jacó, afirmando que a salvação chega do Povo da Aliança: Israel. É da linhagem dos Patriarcas e profetas que o Verbo de Deus toma a condição humana para manifestar a salvação, não somente aos Judeus, mas também aos Samaritanos e aos confins da Terra (At 1.8).   

Jesus então manda ela chamar seu marido, mas ela responde que não tinha. 

  • Aqui Jesus confronta a mulher com sua situação. Ele transforma o interesse da Samaritana em convicção de pecados (vv17-18). O Véu que cobria seus olhos cai e ela passa a enxergar.

Percebemos que aquela mulher, tinha uma vida moralmente duvidável. Ela era má vista pela comunidade samaritana e evitada por outras mulheres. Era um mau exemplo naquela sociedade, era uma pecadora. Assim a mulher Samaritana veio ao poço em uma hora em que as outras estariam preparando o almoço, cuidando de suas famílias, podendo assim evitá-las. Ela sofria preconceito por ser mulher, discriminação dos Judeus por ser samaritana e dentro da própria comunidade, por ser considerada uma pecadora imoral

Agora o modo de pensar dela muda, seus olhos se abrem, ela entende que Jesus não estava falando de uma água mágica, mas de questões espirituais que envolvem sua própria vida, sua identidade e seu destino.

O diálogo anterior de Jesus com Nicodemus (Jo 3.5-7) é complementar ao diálogo do Senhor com a Samaritana. Sem a implantação da vida do Espírito Santo não há salvação. A água e o Espírito, elementos comuns em ambas conversas, nos remetem ao texto de Ez. 36.25-27 onde Deus promete converter o coração por água pura e pelo seu Espírito. 

A mulher julga, primeiramente, que estava diante de um profeta e aprofunda suas questões envolvendo agora a adoração e a forma correta de fazê-la. (v.19)

Podemos compreender sobre essa mulher que tinha uma profunda crise de identidade que ela era:

  • Confusa emocionalmente e moralmente quebrada: Os relacionamentos sucessivos e ilícitos assim revelam (vv 16-18);
  • Confusa espiritualmente: Ao afirmar que Jesus era profeta (v.19) ela busca entender a respeito da disputa entre os Samaritanos e Judeus quanto ao monopólio da fé e da adoração. Ela está sedenta da verdade a respeito de si e de Deus mas não sabe onde encontrá-la.

Podemos deduzir que no coração da mulher paira a questão universal que acomete cada ser humano: Quem sou eu afinal? O Que leva a uma segunda questão ainda mais importante onde está Deus? Aqui ou ali?

      Nossos pais adoravam neste monte– vs. 20. Os detalhes e datas são incertos, mas depois que Samaria foi conquistada pela Assíria (722 a.C.) houve uma divisão entre os judeus da Samaria e os de Jerusalém. Os samaritanos construíram um templo no monte Gerizim, que foi destruído por volta de 130 a.C. Eles continuaram a adorar nesse monte mesmo depois da destruição do templo.

Jesus, em sua resposta, vai mais além e sai da dimensão egoísta e terrestre da adoração e aponta para algo maior, uma adoração verdadeira, pessoal e autêntica, que iria muito além de locais físicos. (v.24). 

Logo, a adoração cristã não está mais limitada a nenhum local terreno como na Antiga Aliança, mas antes se dirige aos céus e é oferecida na plenitude do Espírito Santo, mediante a obra de Cristo na cruz (Hb 9.11-28). Assim como sem a implantação da vida do Espírito Santo e sem o lavar regenerador dos pecados não há possibilidade de salvação, também não poderá haver verdadeira adoração. 

A mulher, vendo a resposta profunda de Jesus, lhe fala da vinda do Messias que ensinaria a eles todas as coisas. Era está a expectativa samaritana quanto ao Messias: Ele seria mestre! 

Jesus responde precisamente que ele era o Messias esperado. Ele diz para ela “Eu o sou” – (vs. 26). A única ocasião registrada antes do julgamento na qual Jesus afirma ser o Messias. A Samaritana agora reconhece que Jesus é mais do que um profeta (vs. 19,29,39); ele é o Salvador  do mundo.

Foi bem nesse momento que a conversa estava intensa que chegaram os seus discípulos e se admiraram de que estivesse ali conversando com uma mulher e ainda mais samaritana – (vs. 27).

Fazemos uma pausa no desdobramento da história e retomamos o desfecho na próxima palestra.

 Gostaria de salientar agora pontos de contato entre a situação da mulher Samaritana e nós hoje. Tal qual o Senhor Jesus fez ao usar o Poço de Jacó como ilustração para revelar que as verdades de Deus são eternas e suas promessas se cumprem. 

Ao nos debruçarmos sobre a palavra de Deus vemos que a vida dessa mulher até aqui, retrata a realidade de cada pessoa desde a queda como vimos na primeira palestra. O fato de não sabermos seu nome nos permite colocarmo-nos em seu lugar. Obviamente cada uma de nós tem uma história, mas no fundo partilhamos das mesmas questões que a assombraram:

  • Quem sou eu afinal? 
  • Onde está Deus?

Ambas falam de Identidade!

            Identidade é importante. É importante para a nossa cultura, inundada por políticas identitárias cada vez mais fragmentadas, segregatórias e subjetivas (políticas só para mulheres, só para gays, só para negros, só para índios,…). Fala-se em identidades de gênero, de etnia, de hedonismo (que é a busca de identidade pelo prazer) feminismo, etc…. O resultado prático é a desagregação que leva o ser humano a presenciar uma ruptura profunda em seu ser. 

Quanto mais o ser humano busca construir uma identidade que o represente no mundo em que vive, tanto mais ele se torna: 

alienado de si(A samaritana era mulher de muitos homens mas não pertencia a ninguém, era confusa quanto seus sentimentos), 

alienado do mundo que habita(Lembremos a vergonha da mulher samaritana indo à hora sexta buscar água, se alienando dos seus vizinhos)      e 

alienado de Deus(A samaritana não sabia onde Deus estava: aqui ou ali?). Segundo o matemático Blaise Pascal: “E assim é o ser humano: tão vazio que se preenche com qualquer coisa, por mais insignificante que seja.” 

Essas insignificâncias tornam-se ídolos nos quais o ser humano procura a sua redenção a resposta para a pergunta fundamental que o assombra desde a queda: QUEM SOU EU?Idolatria em sua mais profunda raíz é atribuir ao que é temporal e efêmero caráter de eternidade e considerar o que é Eterno temporal e passageiro.

O ser humano busca desesperadamente nesses ídolos a resposta à essa pergunta angustiante e urgente. Mas os ídolos que criamos são mudos. Nada podem dizer a respeito de nós pois são o reflexo distorcido de nossa própria imagem refletida no fundo de um poço de águas estagnadas. 

 VEJAMOS mais uma vez:

  • A samaritana tornou em ídolos seus relacionamentos passageiros e imorais a fim de se redimir e encontrar seu lugar no mundo. Mas falhou miseravelmente. Foi lançada num redemoinho de vergonha e culpa. 
  • Confusa ela anseia pelo verdadeiro Deus mas não atina onde encontra-lo a fim de adorá-lo.  

O seu projeto de vida falha miseravelmente. Como tem falhado cada projeto de vida baseado em si desde a queda. O Pr. John MacArthur disse:

“As pessoas hoje estão procurando uma sensação de autoestima, um sentido de valor, um senso de autoaceitação. Elas querem ser alguém que tenha alguma importância. Querem ter identidade. E essa é a resposta. O homem perdido procura algum significado, uma sensação de identidade, algum propósito e algum valor. Ele quer que alguém diga: “Você vale algo, você tem valor, você é importante”. A mulher samaritana não conseguiu ouvir isso de nenhum dos homens com os quais se relacionou. 

A humanidade vive uma crise de identidade. A maioria está em busca de se encontrar em meio ao caos do mundo. A ciência, como um sistema do mundo, proclamou que não há Deus. A filosofia racionalista convenceu o homem que ele mesmo tem as respostas às suas perguntas. E o homem acreditou na ciência e na filosofia. E se perdeu. Surgiu então a psicologia para tentar remediar a crise de um ser que não sabe de onde veio e qual seu destino. 

Ela fracassou. O homem nunca esteve tão perturbado por conhecer a brevidade da vida e não saber o porquê de sua existência. Ele luta para se esquecer dessa realidade que lhe desafia sem trégua.

Desde sua queda, o homem se tornou destituído de sua identidade, ou seja, de quem ele é e do propósito de sua existência. Inquieto e perturbado, ele busca na realização de seus sonhos e desejos as respostasA auto-realização e a autoestima são os deuses do homem perdido(ex.: a mulher que casou consigo)Esses deuses se apresentam como: carreira profissional, ou progresso intelectual (curso após curso) , ou prazer em suas diversas formas, ou diversão, ou sentir-se aprovado pelos outros, …

Está em alta agora os “Coaching” – treinadores – profissional que é contratado para treinar pessoas para o sucesso. Esses dias vi um anúncio para ser um “coach” internacional. O anúncio dizia o seguinte: “Faça seu desenvolvimento pessoal trabalhar a seu favor para tornar-se realmente feliz. Melhore seu comportamento e conquiste suas metas. Viva a vida na sua melhor versão. 99% de Satisfação.”– Existem cursos para ser “coach” nas mais diversas áreas da vida – dietas, academias, negócios, beleza, cosméticos, na área da psicologia,… –  inclusive esta técnica invadiu com força total os púlpitos de MUITAS igrejas. Pastores que trocaram a pregação da Palavra de Deus por pregações coaching, que eliminando a esperança futura do novo céu e da nova terra, ao prometerem um paraíso de plena satisfação neste mundo, aqui e agora –“99% de satisfação”.

            Depois de muita luta e “treino” pela auto realização e garantir auto estima alta, se pensa ter chegado ao topo. Mas o topo não é um lugar de descanso, mas de inquietação, insegurança e depressão. Tudo que o homem ardorosamente construiu para chegar lá é tão frágil quanto a vida. Como disse Salomão: “E como morre o sábio, assim morre o tolo!” (Eclesiastes 2:16).  

Se seu sonho é sua identidade, ele se tornará um pesadelo, um opressor (ler 2x). Você não terá capacidade de conviver com a perda dele. Você se tornará um refém desse sonho e ele exercerá um domínio opressor sobre você. 

Se nosso sonho é ser aprovado pelos outros, as críticas nos destruirão. O homem viciado em aprovação não suportará a censura, a injustiça, a ingratidão, a indiferença ou o fracasso. Ele se sente em um palco à espera dos aplausos.

O deus da carreira profissional, o deus dos relacionamentos (como no caso da Samaritana), o deus da realização ou quaisquer outros não vão lhe perdoar o fracasso. E muitos migram de um deus para outro, mas apenas trocam de atormentadores.

Sua identidade não deve ser quem você é, mas de quem você é, a quem você pertence. Você não pode se autovalidar ou buscar algum outro homem que lhe valide (como a samaritana). São bases insustentáveis de identidade.

A graça divina deve ser a base de nossa identidade. Ela começa dizendo que “todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia; e todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades como um vento nos arrebatam” (Isaías 64:6). Diz também que “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Romanos 3:23). E que a única recompensa que merecemos é a morte, o salário do pecado(Romanos 6:23). A condição natural do homem é a morte (Efésios 2:1) e seu destino é a segunda morte, ou seja, o lago de fogo (Apocalipse 20). É assim que Deus vê todos os homens. Não há mérito algum na humanidade. Não temos nenhuma posição relevante a ser defendida. Todo o reconhecimento humano que buscamos nesta terra é fruto de estúpidos equívocos de um coração mergulhado nas trevas. Essa busca nos prende em grilhões aterrorizantes, rouba-nos a paz e nos faz caminhar por uma estrada sombria e áspera, sedentos, até o poço de Jacó. 

Isso leva a primeira palestra e a pergunta que não pode calar: Como um Deus Justo pode perdoar-nos e reestabelecer nossa identidade em meio a nossa miserável condição e ainda permanecer justo?  A identidade de Deus é composta por seus atributos eternos dentro os quais Justiça e Santidade. A identidade do ser humano é pecadora. Como se dá esse encontro e aceitação sem que Deus se torne cúmplice de nossa culpa sem? Sem comprometer seus atributos?

Essas questões nos constrangem, desnudam nossos corações perversos e expõem a nossa tolice em buscar autoestima e auto-realização no mundo de homens caídos.  Se como a mulher samaritana fracassamos até aqui, qual será o caminho? 

Falaremos sobre isso na próxima palestra.